Páginas

21.6.10

97. dunga: o contrapoder da televisão brasileira

o dunga está definitivamente ahasando nesta copa do mundo. além de manter um comportamento ambíguo (treinador de futebol gaúcho e - tido como - grosso e usando terno herchcovitch, por exemplo...), ele tem xingado os jornalistas esportivos, o que muito me compraz.
podem alegar que foi falta de educação, indelicadeza (!) e outras coisas do gênero, mas o fato é que jornalistas (não apenas esportivos) têm o incrível poder de destruir reputações com poucas palavras, por mais educadas e delicadas que elas possam parecer. e, como não há a possibilidade de criação de um órgão que regule esta atividade, já que os próprios jornalistas se aproveitam do grande espaço de que dispõem na vida das pessoas para alegar que tal órgão seria um instrumento de censura, eis que esta profissão aparece com grande penetração social e podendo agir mais ou menos como bem entender sem maiores consequências. um bom exemplo disso é o recente caso do antropólogo eduardo viveiros de castro e a revista veja, que teve grande repercussão nos meios acadêmicos, mas que muito provavelmente só chegou ao público mais amplo na forma da péssima reportagem da revista sobre a antropologia e as terras indígenas. ou seja, por mais que viveiros de castro venha a processar a veja pelo que foi (mal) dito a respeito da produção intelectual que ele passou a vida construindo, nada vai mudar o fato de que a reportagem saiu e a denegriu. no caso de outras profissões, atitudes similares seriam obviamente punidas, com, por exemplo, a perda do registro profissional do indivíduo que fizesse mal exercício do seu diploma - é o que ocorre com médicos que, por displiscência, acabam tirando a vida de seus pacientes.
os jornalistas não admitem que um conselho que fiscalize como sua atividade profissional vem sendo exercida seja criado, ainda que este conselho seja composto por seus próprios companheiros de profissão, e não por funcionários do estado, alegando que isso seria um retrocesso à censura, tal qual ocorria na ditadura militar. a ditadura militar brasileira (que, diga-se de passagem, não inventou a longa história de censura no brasil) é utilizada estrategicamente (e apenas estrategicamente) para simbolizar um demônio que devemos combater. mas, ao chamar de censura o que seria a fiscalização de uma profissão, acabamos nas mãos de um outro tipo de ditadura, já que não é possível, não há instrumentos eficazes para combater o mal jornalismo que anda por aí. a liberdade de imprensa foi uma vitória, sim, conquistada por muita gente que nunca entrou na redação de um jornal e que hoje é classificada, inclusive pela imprensa, como "comunistas baderneiros". e a liberdade de imprensa não existe, até onde eu sei, para que os jornalistas tenham o direito de agir irresponsavelmente sobre as vidas de outras pessoas.
como disse o bourdieu, o jornalismo é um assunto muito sério. e parece muito sério também todo o apoio popular que eu tenho visto o dunga recebendo pelas suas atitudes "mal educadas" nas coletivas após os jogos do brasil. parece também bastante sério o "cala a boca, galvão" que ganhou o mundo. não parece que só o dunga tenha percebido o que um jornalista pode fazer sobre uma reputação - e o que muitos deles têm efetivamente feito. é uma pena que a globo utilize a concessão que ganhou do estado brasileiro para tentar sair de vítima nesta história. se o dunga tem apoio, é porque as pessoas realmente não aguentam mais o jornalismo brasileiro. seria mais produtivo se fizessem (não apenas a globo, mas todo o campo jornalístico brasileiro, que conta com muitos profissionais sérios e interessados) uma crítica de sua responsabilidade e dos usos de sua profissão. mas uma crítica séria, não uma falsa adesão, como no caso do "cala a boca, galvão".
como isso está bem longe de acontecer, deixo o recadinho do nosso querido dunga, que ganhou merecidamente a minha torcida nesta copa.



e também deixo uma leitura de cabeceira para orientar o pensamento sobre tudo isso. a tv precisa de um contrapoder.

Pierre Bourdieu Sobre a televisão (seguido de A influência do jornalismo e Os jogos olímpicos)

Nenhum comentário: