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23.6.10

101.

o síndico não aguentava mais tanta pressão.
não era só o problema dos interfones dos apartamentos de baixo, nem só a sua doença. que era incurável ele já sabia há três meses, mas tinha decidido não se importar e aproveitar os últimos momentos de sua trágica vida. mas de tão trágica, ela ainda havia lhe preparado uma nova e inesperada surpresa, chegada pela boca suja e malcheirosa daquele engenheiro que viera na semana passada.
a imobiliária que administrava o condomínio estava em cima dele. os outros moradores queriam a solução de seus pequenos e mesquinhos problemas. que se fodam os interfones deles. que se foda o vasamento. que se foda, porra. idiotas. achavam que era só fazer mais um ou outro remendinho com massa corrida, que era só chamar qualquer vira-lata da rua pra fazer o conserto. não sabiam merda nenhuma sobre essa porra de prédio. e da vida dele.
o engenheiro tinha sido súbito e irreversível como o médico. toda a estrutura já estava comprometida, não havia esperanças. "o prédio ainda está pior do que eu. não dura seis meses." o que dizer aos vizinhos? eles acreditavam nas suas vidas tão pequenas, eles acreditavam na importância imensa de alguns pequenos reparos. eles não conheciam aquilo que não pode mais ser de outro jeito, só conheciam o dia que passa e tudo se resolve.
seus vizinhos que acenavam tão inocentemente uns para os outros não sabiam verdadeiramente nada sequer sobre suas próprias vidas. não tinham consciência da morte. o que dizer a eles, meu deus?! como resolver um problema tão inescapável na mediocridade mundana de uma reunião de condomínio?!?
após comprar o pão, antes de chegar em casa, passou na imobiliária. na próxima semana, às 17hs, seria a reunião fatídica. e pontualmente ele compareceu, como se precisasse de todos os minutos. solene e pragmático, deu o aviso final a todos.

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