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21.9.14

133.

embora fosse imensamente caricatural, o grande e desengonçado historiador, com aqueles seus sebosos cabelos caindo-lhe nos ombros, era sincero e crente.
naquele dia ele caminhava atento na mais larga rua para pedestres da cidade, atento a algo de que apenas ele tinha conhecimento. talvez atento a algo que lhe haviam dito e que ainda remoía, ressentido. os olhos fixos no chão que se movia sob seus pés, é bem provável que ele sequer percebesse tudo o que corria a sua frente - os papeis oferecendo aparelhos dentários, os pequeníssimos fragmentos de folhas de árvores, as guimbas de cigarro levemente marcadas de batom.
na quadra seguinte esbarrou com um conhecido e rapidamente deixou-o a par de seu último artigo publicado. sua existência deveria ser entendida por todos como dedicada ao seu trabalho, seu adorado trabalho, a que se entregava por horas sofridas de seus longos e estúpidos dias. acreditava piamente em sua rígida disciplina de trabalho, todos os dias escrevia 5 páginas, mesmo que não precisasse. sua escrita era pomposa e riquíssima em detalhes desnecessários, o que provavelmente causaria nos outros uma impressão de seriedade e distinção acadêmica. o historiador lia com deleite todos os autores que utilizassem um linguajar afrancesado. quem sabe isso seria herança da instituição que o formou...

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