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9.8.10

119. graphic novels

estou terminando de ler persépolis.
não tinha muita vontade de ler particularmente esta graphic novel, não sei bem o porquê. acho que porque tudo o que eu tinha ouvido falar, ao menos sobre o filme, era sobre a revolução iraniana.
bom, eu até, como historiadora, me interesso pela revolução iraniana, mas estava com um certo ranço porque queria que os quadrinhos tivessem um outro sentido pra mim, distinto da minha profissão. tenho conhecido muita gente chata na minha profissão e só de pensar em história me sinto um pouco constrangida e incomodada.
mas o que me surpreendeu é que ela é mais uma graphic novel com caráter autobiográfico e cotidiano. bem, na verdade disso eu já sabia - já sabia que era a história de vida da própria moça que escreveu. mas fiquei bastante surpresa, positivamente, com o modo como ela descreveu a própria vida, ainda mais porque, ainda que cotidiana, a gente tem de concordar que o cotidiano em um país em guerra é bastante "diferente". as outras graphic novels que eu tinha lido, que têm esse mesmo tom autobiográfico, falam da vida de pessoas, embora em desacordo com o restante do mundo, muito comuns. tá, isso não é uma coisa ruim, mas é bastante simples ocorrer alguma identificação com essas pessoas. o estranho é se identificar com uma iraniana, sendo que tu não passa de uma brasileira.
a marjane satrapi, autora do livro, é muitíssimo feliz em descrever o encontro de culturas distintas. ela foi criada no irã, mas num irã até certo ponto ocidentalizado. ela estudava numa escola laica francesa, por exemplo. quando a revolução acontece, muitas pessoas são presas e perseguidas, inclusive parentes e amigos dela. muitos são executados. então, começa a guerra contra o iraque e teerã é bombardeada muitas vezes. a vizinha dela morre num desses bombardeios. aos 14 anos, os pais acham melhor mandá-la pra estudar na europa, antes que se meta em alguma confusão. então, ela se torna uma iraniana, com hábitos tradicionalistas (sobre relacionamentos, por exemplo), em viena. e uma estrangeira na europa. obviamente, ninguém está nem um pouco interessado nela. por outro lado, enquanto ela procura se integrar aos hábitos ocidentais, indo a festinhas, lendo sobre autores anarquistas e existencialistas e fumando maconha, se sente culpada e fútil ao ver as notícias de seu país em guerra. sente que abandonou seus pais pra viver uma vida despreocupada e falsamente politizada na europa.
quando retorna ao irã, porém, também não consegue se integrar novamente. suas amigas pensam que ela é uma puta por já ter tido algumas experiências sexuais e não consegue viver sob as normas fundamentalistas que o estado lhe impõe. ela é uma mulher independente, que, mais uma vez, não encontra seu lugar.
achei muito legal porque talvez ela tenha - não necessariamente de propósito - explicitado um pouco dessas experiências na fronteira entre culturas. quer dizer, nem sempre o problema dela na europa estava relacionado a algum tipo de preconceito dos europeus contra os iranianos terceiro-mundistas. muitas vezes era só o modo como os europeus enquadravam as questões políticas, que evidentemente não poderia ser o mesmo modo que ela enquadrava, já que o país dela estava em guerra etc etc etc.
tenho discutido com o desenho como as graphic novels são lugares privilegiados pra gente entender coisas. diferente de um romance mesmo, só em texto, ou de um filme, um romance em quadrinhos proporciona um outro tipo de envolvimento com os personagens. bom, talvez proporcione apenas a mim, mas o fato é que a forma de narrar se torna outra, necessariamente. o que vai no texto e o que vai no desenho são coisas diferentes e complementares... eu acho que a pessoa tem de ser muito, mas muito boa pra conseguir fazer uma coisa dessas, e ainda manter a singeleza e a complexidade dos acontecimentos.
o fun home, da alison bechdel, por exemplo, cita diversos autores como tentativa de compreender a própria história e a do pai, que era homossexual e enrustido e depois se matou. mas esses autores não aparecem de modo maçante, como a academia e os chatos da academia gostam de fazê-los aparecer. eles estão totalmente integrados a um texto que narra uma história de vida e a desenhos que também têm o mesmo papel.
fiquei cobiçando escrever alguma história (pequena) deste tipo.

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